GENEBRA – A eliminação do trabalho infantil no Brasil proporcionará benefícios econômicos dez vezes maiores que os custos. É o que estima um estudo publicado ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O impacto positivo no Brasil é superior ao da média mundial. As estimativas são de que em vinte anos o benefício econômico líquido para o país seria de US$ 117,5 bilhões, graças ao impulso proporcionado por uma nova geração mais bem educada, com maior produtividade e mais sadia.
Já os custos são estimados em US$ 13,6 bilhões. Essa cifra inclui a perda de US$ 3,9 bilhões que representa o valor do trabalho das crianças para os setores que os utilizam nesse período.
A OIT calcula que mais de 4,5 milhões de crianças de 5 a 15 anos trabalham no Brasil, contrariando as leis internacionais. A maior parte é empregada na agricultura, setor mais competitivo da economia brasileira. As atividades qualificadas como mais perigosas ali são a colheita de sisal, algodão, café, cana, fumo, manejo de animais e nas florestas.
Somadas, há mais de 750 mil crianças, ou jovens com menos de 18 anos, trabalhando nesses segmentos, segundo a pesquisadora Ana Lúcia Kassouf, do departamento de economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
Ana Lúcia participou do trabalho da OIT, adaptando, durante um ano, dados do IBGE e do Ministério da Previdência à metodologia da OIT. A organização selecionou oito países para detalhar o conteúdo do trabalho, de acordo com a disponibilidade das informações. O estudo da OIT mostra que, globalmente, retirar crianças do mundo do trabalho e colocá-las na escola proporciona enormes vantagens econômicas.
Nas economias em desenvolvimento e em transição, o benefício seria de US$ 5,1 trilhões. Já os custos dessa medida, substituída por educação universal até 202, chegariam a US$ 760 bilhões.
Segundo os dados da OIT, existem 246 milhões de crianças trabalhando no mundo, sendo 70% na agricultura. Entre eles, 179 milhões (um entre oito) são expostos às piores formas de trabalho infantil, utilizados em tráficos, como soldados, escravos sexuais etc.
Mas o documento tem ausências notáveis como China, Índia, Paquistão, países onde a exploração da mão-de-obra infantil é rotineiramente denunciada por organizações não governamentais (ONGs). Tampouco menciona o fenômeno nos países industrializados, embora seus técnicos reconheçam ” casos consideráveis ” de exploração de adolescentes em Portugal, Itália e nas grandes cidades.
O impacto do fim do trabalho infantil no Brasil seria superior à média global de benefícios sete vezes maiores que os custos. Inicialmente, o custo para o setor público de erradicar essa chaga social no país seria de US$ 6,6 bilhões, segundo Ana Lúcia.
Nesta conta estão incluídos recursos com a construção de escolas ou a melhoria das já existentes (US$ 1,5 bilhão); o benefício às famílias que iriam perder a renda adicional produzida pela criança (US$ 3,6 bilhões); a ajuda às famílias que tirariam seus filhos das atividades mais perigosas (US$ 1,3 bilhão) e a transferência de renda na forma de ajuda de custo para que a criança passasse a freqüentar a escola (US$ 500 milhões).
” No fundo, teria que haver ação governamental mesmo para que isso fosse possível. Um segundo passo seria a participação das empresas, se estas estivessem dispostas a cooperar ” , observou a pesquisadora da Esalq. O estudo qualifica as despesas nessa operação de ” investimento sábio ” , estimando que cada ano suplementar de escola até os 14 anos de idade resulta num ganho adicional de 11% por anos em futuros salários.
A OIT estima que a contribuição de uma criança é de 20% a de um adulto. Significa que, uma vez o trabalho infantil eliminado, a perda para as famílias seria de US$ 246,8 bilhões em vinte anos.
Como compensação, a organização recomenda programas já lançados, como a Bolsa Escola no Brasil similares no México e Bangladesh. Sugere limitar a contribuição as famílias a 80% do valor do trabalho infantil.
Globalmente, os programas de eliminação do trabalho infantil não aumentariam em mais de 11% (na segunda década) as despesas sociais. O custo administrativo desse programas chegaria a 5% da soma transferida aos pobres, inferior ao custo de programas de países industrializados.
Os custos mais altos para a eliminação do trabalho infantil estão na América Latina. A despesa unitária por criança retirada do trabalho ou readaptada passa dos US$ 139 na África do Norte para mais de US$ 1.600 na América Latina. Isso ocorre porque nesta região vários programas são para lutar contra a prostituição, com custos mais elevados.
Tanto no Brasil como no resto do mundo, nos 15 primeiros anos de duração do programa, as despesas são superiores aos benefícios. Depois a curva se inverte.
Peter Dorman, autor do estudo, insistiu que, ao seu ver, os setores econômicos que utilizam a mão-de-obra infantil não vão sofrer muito, porque podem substituí-los por adultos hoje desempregados.
Dorman estima que a maior parte das mercadorias do trabalho infantil não é para exportação, mas tampouco deu detalhes sobre essa afirmação. Por sua vez, Frans Röselaers, diretor do Programa de Trabalho Infantil da OIT, rejeitou a possibilidade de uma etiqueta para mercadoria que não utilizaria as crianças na sua produção.
” Há muita divergência sobre o tema entre o Norte e o Sul ” , disse. Mas foi enfático sobre os riscos de boicotes que as grandes empresas sofrem cada vez mais. ” Os consumidores estão mais atentos, como mostram a maioria das consultas que recebemos ” .
Fonte: Valor Econômico