Secretário nacional LGBTQIA+ da CUT, Prof. Wal, afirma que escola é espaço fundamental de luta contra a violência. Dados do Grupo Gay da Bahia apontaram uma morte de pessoas LGBTQIA+ a cada 34 horas em 2023.
Ainda que durante o ano de 2023 o Brasil tenha dado um novo e importante passo no combate à homofobia, com a volta do Conselho Nacional LGBTQIA+ no âmbito do Governo Federal, dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), divulgados no último dia 20, mostram que o país ainda figura entre os mais violentos do mundo em se tratando de violência contra a população LGBTQIA+. De acordo com o GGB, em 2023 foram 257 assassinatos. Desse total, 127 foram pessoas trans (travestis e transgêneros), 118 homens gays, nove lésbicas e três pessoas bissexuais.
No entanto, o número pode chegar a 277, já que outros 20 casos estão ainda sendo apurados pela ONG que, há mais de quatro décadas, coleta dados sobre mortes por homicídio e suicídio dessa população por meio de notícias, pesquisas na internet e informações obtidas com parentes das vítimas. Os números levantados pelo GGB estão em consonância com outros importantes levantamentos já realizados anteriormente. Em maio do ano passado, foi apresentado ao Ministério dos Direitos Humanos o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTQIA+ no Brasil, com dados referentes ao ano de 2022.
Esse levantamento, elaborado pelas entidades Acontece Arte e Política LGBTQIA+, Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), apontou que naquele ano houve um total de 273 pessoas LGBTQIA+ mortas de forma violenta por causa de suas orientações sexuais. E mais uma vez, a maioria (157) foram pessoas trans.
Inaceitável
Os números da violência, apresentados pelo GGB, significam que a cada 34 horas no Brasil houve um assassinato de pessoa LGBTQIA+, o que coloca o Brasil como país que mais mata pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo pela 14ª vez consecutiva. “Durante os governos progressistas de Lula e Dilma, houve um trabalho árduo de conscientização da sociedade, para tentar acabar coma violência. Tivemos alguns avanços, mas tudo foi destruído rapidamente com Bolsonaro. Agora temos a sensação de demos passos e passos atrás”, afirma o professor Walmir Siqueira, o Wal, secretário da pasta LGBTQIA+ da CUT, se referindo aos anos em que o discurso de ódio e a intolerância chegaram ao poder.
No entanto, Wal aponta um caminho de esperança e luta após a derrota do ex-presidente e a eleição do governo progressista de Luiz Inácio Lula da Silva. “Agora estamos lutando para refazer as diretrizes para que o Estado brasileiro tenha políticas públicas sérias e eficazes para acabar com essa violência”, diz o dirigente. “O atual governo tem uma visão diferenciada sobre o tratamento de políticas públicas voltadas à comunidade LGBTQIA+. Agora voltamos a ter um conselho com representatividade maior no governo, com mais atenção para os índices de violência, sobre como monitor”, completa. Apesar de ser uma realidade inaceitável, o professor Wal considera que ainda é cedo para que haja um resultado, uma vez que após o início do mandato, veio a fase de reestruturação do conselho. No entanto, a luta contra essa violência, ele diz, deve diária, para cessar as mortes de LGBTQIA+. “É preciso combater o preconceito diariamente. Não dá pra pensar em se distrair com esses ataques diários”, ele afirma.
Combate à intolerância nas bases
Uma das formas de luta contra esse preconceito se dá na educação. Wal explica que escola em si é espaço para que essas questões sejam abordadas, ou seja, para que as crianças e adolescentes possam desenvolver uma visão de mundo mais solidário, igualitário e diverso, com respeito a todas as orientações sexuais. Mas, além disso, é também espaço de acolhimento, já que muitas crianças e jovens sofrem violência por sua orientação sexual dentro da própria casa e também na sociedade. Os dados do GGB mostram que a vítima mais jovem de violência homofóbica em 2023 foi uma criança de 13 anos de idade.
Apesar de o Brasil ter um governo federal ter um olhar protetor para essas pessoas, outras instâncias são ‘habitadas’ ainda por algumas forças conservadoras. Um exemplo é a Conferência Nacional de Educação (Conae) que terá início neste fim de semana (28) e que reúne diversas entidades da sociedade civil, de forma democrática. Wal afirma que há comissões dentro da Conferência tentando excluir as representações LGBTQIA+ para que o tema não seja debatido. “Vemos com isso quem é que tem ideologia na educação. Como você tem o país entre os principais em assassinatos e acha que não se pode tratar o combate a essa violência a partir da formação dos cidadãos, ou seja, na educação?” questiona o dirigente. “Eles querem institucionalizar a marginalização de nossa comunidade. Querem nos excluir e nos deixar morrer. Temos que primar pela vida das pessoas independentemente de orientação sexual ou gênero, mas eles querem que o Estado feche os olhos para a vida dessas pessoas”, completa.
Normalização da violência
Fruto do discurso de intolerância característico de ideologias extremistas de direita, a violência contra quem é considerado fora de padrão é, muitas vezes, vista por essa parcela da população até mesmo como instrumento de ‘correção da sociedade e preservação da moral e dos bons costumes’. Tal narrativa é, inclusive, sustentada por representantes populares em espaços de poder, infelizmente. Caso típico é o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) que, reincidentemente, promove ataques transfóbicos não só em suas redes sociais como no Congresso Nacional, já tendo sido, inclusive, condenado a indenizar a também deputada Duda Salabert (PDT-MG) por ofensas transfóbicas.
O deputado Nikolas, em suas redes já até apelou para uma pretensa religiosidade ao afirmar durante uma entrevista a um podcast que homossexuais são ‘usados pelo diabo’, fala que gerou protestos de autoridades. O parlamentar também tentou defender o pastor André Valadão, ao tentar explicar que este, durante culto religioso, não havia defendido morte aos homossexuais. No entanto, as falas de Valadão contra a comunidade foram claras. Veja a reportagem da Revista Fórum sobre o assunto “Parlamentares deveriam ter vergonha de defender essa normatização no Congresso. Eles defendem a morte”, diz o secretario nacional LGBTQIA+ da CUT, Walmir Siqueira.
Não é apenas uma questão cultural
Dado destacado pelo dirigente sobre o levantamento do GGB é a mudança de paradigma em relação as regiões brasileiras que mais matam LGBTQIA+. Se em um primeiro contato com a informação, um possível senso comum, baseado também em preconceito e estereotipificação regional pode remeter à ideia de que estados do Norte e Nordeste são os mais violentos, a realidade mostra o contrário ao colocar o Sudeste como região que mais assassina pessoas LGBTQIA+.
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram os estados com mais mortes (92), estados onde Bolsonaro teve expressiva votação nas eleições de 2022. “Não é questão cultural, como acham que o Nordeste, por exemplo, é mais agressivo com em relação a orientações sexuais diferentes da heterossexual. Não podemos ter esse tipo de violência acontecendo, mostrando onde estão os conservadores e ficarmos calados”, reforça.
Visibilidade Trans
Em sua luta por dignidade das pessoas trans, em todos os setores, em especial no mercado de trabalho, onde essas pessoas são as mais estigmatizadas e excluídas, a CUT participará das marchas pelo Dia da Visibilidade Trans, 29 de janeiro, a serem realizados nos próximos dias. Atos acontecerão em Brasília, no dia 28, próximo domingo, pela manhã e em São Paulo, também neste dia, à tarde, na Avenida Paulista. Em outros estados também haverá marchas e outras atividades ao longo dos dias.
“Estamos lutando para criminalizar a LGBTQIA+fobia, para ao menor conseguirmos frear essa violência. São pessoas que morrem apenas por serem LGBTQIA+. Ninguém morreu apenas por ser heterossexual”, diz Wal sobre a realização das marchas. “Será um fim de semana de luta para preservar a vida das pessoas trans, que são atacadas por todos os lados, seja no mundo do trabalho, seja na educação, na saúde. São pessoas que têm negado o acesso a políticas públicas fundamentais e direito para todo ser humano”, acrescenta.
Recortes da pesquisa
Os dados apontam que entre os que foram notificados, com indicação de cor e etnia (apenas 34% apresentavam esse recorte), o total de vítimas brancas era de 14,39%, pardas, 10,5%, pretas 10,89%. No recorte de idade, 67% das vítimas tinham entre 19 e 45 anos. Foram identificadas ainda ocupações de parte das vítimas gays, sendo 11 professores, cinco empresários, três médicos, três dentistas, dois pais de santo e um padre. Sete ocupações foram registradas entre as pessoas trans, sendo 18 profissionais do sexo, três comerciantes, três cabeleireiras, duas enfermeiras e uma garçonete.
Fonte: CUT Brasil