POR Catherine Vieira e Vera Saavedra Durão DO Valor Econômico
RIO – Mesmo com a inflação menor, os indivíduos e empresas continuam transferindo um poder de compra relevante para os bancos. De acordo com um estudo realizado pelos pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rubens Cysne e Paulo Cezar Coimbra, a média anual dessas transferências inflacionárias durante o período pós-Real (de 1995 a 2003) foi de US$ 2,5 bilhões, algo equivalente a cerca de 0,55% do Produto Interno Bruto (PIB). Estas transferências tiveram forte queda em relação ao período pré-Real (de 1947 a 1993), quando correspondiam a 4,21% do PIB ou US$ 19,2 bilhões/ano. Mesmo assim, Coimbra considera o ganho inflacionário atual ” bastante elevado ” .
O fenômeno ocorre porque, apesar dos níveis de inflação menores dos que foram verificados antes do Real, a taxa ainda é relevante e, além disso, o volume de dinheiro que está desprotegido das perdas (depósitos à vista, que ficam parados em conta corrente ou circulando em moeda e sobre os quais incidem juros reais negativos) no sistema financeiro é bastante alto. Em março deste ano, os depósitos à vista somavam R$ 61,5 bilhões ante R$ 14 bilhões em dezembro de 1994, segundo dados do Banco Central. Ou seja, caso o volume de aplicações em instrumentos de poupança fosse maior, esse nível de transferência inflacionária poderia encolher.
O trabalho feito por Cysne e Coimbra atualiza uma conhecida série histórica detalhada por Mário Henrique Simonsen e pelo próprio Cysne em 1995. No primeiro estudo, eles mostravam o volume anual de imposto inflacionário e de transferências inflacionárias totais ocorridas em favor do sistema financeiro, em função dos altos índices de inflação daquele período. Neste novo ensaio, calculam o valor dessas transferências na série que vai de 1947 a 2003, ou seja, os períodos pré-Real e pós-Real, quando a inflação caiu.
No período estudado, as transferências para o setor bancário apresentaram uma média de US$ 16,4 bilhões/ano, equivalentes a 3,59% do PIB. O dado permite avaliar que nos últimos 57 anos o total transferido da sociedade para o sistema bancário do país, incluindo o Banco Central, por conta da inflação, alcança uma cifra impressionante de US$ 934,8 bilhões, pouco mais de duas vezes o valor do PIB do ano passado, de US$ 456,8 bilhões. (Os números do trabalho foram calculados com base no valor do PIB de 2003 e em dólares de 2003)
Na análise de Coimbra, o impacto dessas transferências sobre a distribuição de renda é ” perverso ” . Ele considera que elas representam ” um pesado fardo para as pessoas físicas e jurídicas (não-bancárias), sobretudo para as de menor renda, cuja percentagem do encaixe em meios de pagamento sobre o total dos ganhos é muito maior ” . O que lhe permite ressaltar que ” este fator atua no sentido de aumentar as desigualdades na distribuição de renda do país ” .
Ao analisarem o comportamento das transferências inflacionárias ano a ano, os economistas constataram que apesar de as taxas de inflação serem muito mais elevadas na década de 80 e no início da década de 90 (a maior taxa de inflação foi de 2.708,2% em 1993) , ” o pico do volume de transferências inflacionárias em relação ao PIB ocorreu nos anos de 1963 e 1964, quando essas transferências atingiram o patamar de 9% do PIB ” . Entre 1980 e 2003, o maior índice de transferências em relação ao PIB ocorreu em 1989 (6,7%), época do governo Sarney. No pós-Real ele se deu em 2002 (1,60%).
Os pesquisadores explicam que não só a inflação, mas o tamanho da base monetária influi nesse processo de ganho inflacionário, como aconteceu em 1963 e 1964 (quando houve muita emissão de moeda). Isto porque o imposto inflacionário é sinônimo de juro real ” negativo ” pago pela base monetária. ” Na verdade, o que acontece se o depositante não aplica seu dinheiro, é uma transferência de poder de compra para os bancos ” , diz Coimbra.
Cabe realçar que as transferências ocorrem não só a favor dos bancos comerciais, mas também, e até em nível maior, do BC. De acordo com o trabalho da FGV, 53% do volume de poder de compra foi transferido em favor do BC e 47% a favor dos bancos comerciais.
Outra observação é que o valor bruto das transferências inflacionárias foi reduzido do pré para o pós -Real. Mas em termos líquidos, a redução não é proporcional. Coimbra ensina que, em ambiente de inflação baixa, a margem líquida de ganho dos bancos aumenta. Isso porque essas instituições, além dos depósitos à vista, cobram tarifas sobre seus serviços para manutenção desses montantes e não sofrem corrosão forte da inflação sobre essa receita, como ocorria na época da superinflação.