Dirigentes sindicais bancários de todo o país participaram do primeiro módulo do Curso de Formação sobre Reforma Tributária.
Dirigentes de 52 Sindicatos das 11 Federações que compõem o Comando Nacional dos Bancários participaram, na quarta-feira, 10 de maio, do Curso de Formação sobre Reforma Tributária promovido pela Secretaria de Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), em parceria com o Instituto Justiça Fiscal (IJF).
“O curso é dividido em dois módulos. Neste primeiro, passamos os conceitos gerais e os aspectos históricos, políticos e sociais do sistema tributário, além de mostrar o papel da tributação e alguns mecanismos utilizados por um segmento social para o não pagamento de impostos e taxas”, disse o secretário de Formação da Contraf-CUT, Rafael Zanon. “E a avaliação dos participantes foi excelente! Conseguimos passar aquilo que nos propusemos”, completou.
Necessidade de tributos
Na primeira exposição do dia, o auditor fiscal Dão Real Pereira, presidente do IJF, se utilizou de uma suposta comunidade que se uniu para garantir educação e saúde para todos. “O rateio dos custos necessários para pagar médicos, professores, construir a escola é o tributo que tinham que pagar. Então, eles pagavam para ter estes serviços. É assim que funciona no sistema tributário”, explicou.
Mas, apesar disso, para Dão, hoje existe um enorme esforço da elite dominante para “demonizar” a cobrança e desconectar os tributos de sua aplicação. “Falam mal dos impostos, mas não dizem em que eles são aplicados. Não dizem que as escolas e os hospitais são pagos pelos tributos cobrados das empresas e da população. Normalmente são pessoas que têm como pagar planos de saúde e escolas particulares para seus filhos e não usam o SUS, ou as escolas públicas diariamente. Mas, se esquecem dos atendimentos de saúde de alta complexidade, realizados pelo SUS, e das universidades públicas”, observou. “Precisamos desconstruir este discurso para mostrar a necessidade de cobrança de tributos para construir o Estado Social, onde todos tenham direito a serviços de qualidade”, disse.
Derrubando falácias
Dão também utilizou gráficos com dados sobre os percentuais de cobrança em diversos países de todo o mundo para contestar diversas afirmações contrárias ao sistema tributário brasileiro. Entre elas de que “no Brasil, a carga tributária é muito alta” e que “os serviços públicos são de má qualidade”. “No Brasil, a carga tributária é de aproximadamente 30%. Em média, nos países da OCDE é de 33,5%, mas chega a ser de 46,5%. Portugal, por exemplo, o novo queridinho de muitos brasileiros, tem uma carga tributária de 34,8%”, informou o auditor fiscal.
Outra falácia contestada por Dão foi a de que “recebemos muito pouco pelo que pagamos”. “Na verdade, é que investimos muito pouco. A arrecadação per capita em Portugal é 2,38 vezes maior do que no Brasil. No Reino Unido, é 4,54 vezes maior”, disse. “A verdade é que nossa carga tributária ainda é insuficiente para se prover serviços de qualidade semelhantes ao que existem na União Europeia”, disse.
Público X Privado no Brasil
Para o presidente do IJF, não podemos analisar a qualidade dos serviços públicos sem levar em conta a quantidade de recursos disponíveis. “O ensino público atende 82% da população, com um investimento médio de R$375 por aluno. O ensino particular atende 18%, com investimento de R$ 2.500 por aluno. As notas dos alunos no ensino público é 20% abaixo das obtidas pelos alunos do ensino particular, mesmo tendo de 4 a 5 vezes menos recursos”, observou Dão. “Então, o recurso é fundamental. Tem problema de gestão? Tem. Mas, se as notas são apenas 20% abaixo com muito menos recursos, onde está o problema?”, questionou.
Injustiça histórica
O curso também ressaltou as injustiças históricas do sistema tributário brasileiro, seja devido a isenções concedidas a grupos específicos, seja pela limitação de alíquotas da tabela do imposto de renda, com taxação de um grande número de pessoas com rendas relativamente baixas e redução dos valores pagos por pessoas com altas rendas e riquezas.
Um exemplo foi a isenção concedida a acionistas de empresas que recebem dividendos e a permissão para que empresas deduzam os valores pagos sobre Juros de Capital Próprio (JCP) aos acionistas. “Quando FHC (Fernando Henrique Cardoso) concedeu esses benefícios, gerou uma ‘fratura exposta’ no sistema tributário brasileiro que levou ao aumento da desigualdade social no país”, lembrou o cientista contábil e auditor fiscal da Receita Federal, Paulo Gil Introini. Uma das propostas para se evitar a continuidade desta injustiça é acabar com a isenção dos dividendos e as deduções sobre as remunerações de JCP, além de isentar rendas de até R$ 5 mil reais e criar alíquotas maiores para altas rendas.
Outro exemplo de injustiça histórica foi destacada ao serem apresentados dados da pesquisa “Tributação e Desigualdade de Gênero e Classe no Brasil”, que mostra que a política tributária brasileira reforça as desigualdades de gênero e classe em nosso país. “A configuração tributária do Imposto de Renda das Pessoas Físicas possui viés implícito de gênero. As mulheres pagam alíquotas mais elevadas do que os homens em quase todas as faixas”, disse a auditora fiscal Maria Regina Paiva Duarte, que é vice-presidente do IJF. A carga tributária total das famílias chefiadas por mulheres é de 21,32%, comparando com 22,07% das chefiadas por homens. Considerando somente os impostos indiretos, chega a 15,05% nas famílias chefiadas por mulheres, superior às chefiadas por homens, cuja carga é de 14,55%.
Sonegação
O curso também mostrou algumas ferramentas utilizadas pela elite financeira dominante para escapar do pagamento de tributos, como o uso de paraísos fiscais, a transferência de lucros para o exterior, com subfaturamento de exportações e superfaturamento de importações, despesas com serviços de empréstimos intragrupos para reduzir o lucro tributável, como as conhecidas deduções sobre juros de capital próprio, e planejamentos tributários abusivos, como as fusões de bancos.
Como exemplo, a auditora fiscal Clair Hickmann citou a venda subfaturada de minério de ferro brasileiro para a Suíça, tendo a China como destino final da mercadoria. “O Brasil fatura o minério para a Suíça, um paraíso fiscal, com impostos reduzidos. Mas, o produto vai direto para a China. Depois, esses recursos entram no Brasil, vindo da Suíça, como sendo investimento estrangeiro no setor produtivo e, por isso, são remunerados como JCP, sem a incidência de impostos”, explicou.
Segundo Clair, entre 2009 e 2015, a exportação de ferro brasileiro gerou uma perda de US$ 12,407 bilhões em recursos tributários para o Brasil. “Isso representa uma perda média de US$ 1,770 bilhão a cada ano. São R$ 6 bilhões por ano”, disse. Para ela, além de mudanças na legislação, é preciso garantir estrutura para que haja uma administração tributária capaz de implementar a legislação e dar efetividades ao sistema tributário e sua progressividade, com troca de informações entre fiscos de todos os países. Também faz parte disso a revisão da estrutura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Fonte: Contraf-CUT