Portal da CUT explica o que é assédio moral, quais são as principais vítimas, o perfil do assediador e o que trabalhadores devem fazer nesses casos. Veja como se proteger e garantir seus direitos.
Recentemente ganhou repercussão na mídia e nas redes sociais o tratamento dado por um técnico de futebol a um jogador de seu time. Mano Menezes, treinador do Corinthians, tirou o jogador Yuri Alberto da partida contra o São Bernardo, no último dia 27 de janeiro. O ‘timão’ perdeu o jogo por 1 a 0. O técnico, durante o jogo, após uma falta cometida pelo jogador, chamou-o de burro. Tal episódio ‘levantou a lebre’ sobre os limites de tratamento que superiores hierárquicos devem dar aos demais colegas de trabalho, seja no futebol, seja em qualquer categoria de trabalhadores.
O assédio moral é um problema grave, que adoece milhares de trabalhadores, cotidianamente e se apresenta como uma forma cruel de exploração de poder, baseada, em especial, em questões sociais, econômicas e de gênero. Essa é a definição oficial da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para a prática. Segundo a OIT, o assédio moral é o conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem ou sejam suscetíveis de causar danos físico, psicológico, sexual ou econômico, e inclui a violência e o assédio com base no gênero.
Em resumo, o assédio moral é a forma de expor pessoas a situações de constrangimento e humilhação no ambiente de trabalho, recorrentemente. Traz danos às vítimas – psicológicos, sociais e até físicos, a depender do tipo de adoecimento. Prejudica também o ambiente de trabalho. Ainda que seja um tema muito comentado, muitos trabalhadores e trabalhadoras desconhecem as formas práticas do assédio moral e, em muitas situações, seja pelo desconhecimento ou pelo medo de perder o emprego, acabam não detectando ou ‘deixando acontecer’, se calando apesar do sofrimento.
O que caracteriza o assédio
Algumas situações no ambiente de trabalho podem ser enquadradas como assédio moral e podem gerar reclamações de direitos na Justiça, revisão de condutas de empresas e de gestões no serviço público, além de outras ações com foco em eliminar essa violência do local de trabalho. A principais condutas que se caracterizam como assédio moral são:
- Retirar a autonomia do trabalhador ou contestar, a todo o momento, suas decisões;
- Sobrecarregar o trabalhador ou retirar o trabalho de sua responsabilidade como objetivo de provocar a sensação de inutilidade e incompetência;
- Ignorar a presença do trabalhador, dirigindo-se apenas aos demais colegas
- Obrigar a cumprir tarefas humilhantes;
- Gritar, xingar ou falar de forma desrespeitosa;
- Espalhar rumores ou boatos ofensivos sobre a pessoa;
- Ignorar problemas de saúde;
- Criticar a vida particular da vítima;
- Atribuir apelidos pejorativos;
- Impor punições vexatórias, como dancinhas;
- Expor e enviar mensagens depreciativas em grupos de trabalho e nas redes sociais;
- Isolar fisicamente o trabalhador para que não haja comunicação com os demais colegas;
- Desconsiderar, ironizar, desacreditar injustificadamente as opiniões do trabalhador;
- Impor condições e regras de trabalho personalizadas, de caráter humilhante e diferentes das atribuídas aos demais;
- Delegar tarefas impossíveis e prazos incompatíveis para finalização de um trabalho;
- Manipular informações, deixando de repassá-las com a devida antecedência necessária para que o trabalhador realize suas atividades;
- Vigilância excessiva;
- Limitar o número de vezes que o trabalhador vai ao banheiro e monitorar o tempo que lá ele permanece;
- Advertir arbitrariamente;
- Incentivar o controle de um trabalhador por outro, criando um controle fora do contexto da estrutura hierárquica, para gerar desconfiança e evitar a solidariedade entre colegas.
Combate ao assédio moral
Se você se reconhece como vítima de alguma situação de assédio, o primeiro passo é buscar orientação jurídica. O melhor caminho para isso é procurar o sindicato de sua categoria. É importante ter em mente que muitas categorias têm em suas Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, cláusulas específicas sobre o tema, que servirão como instrumento de proteção a trabalhadores que sofrem o assédio.
De acordo com especialistas em Direito do Trabalho do escritório LBS Advogadas e Advogados, que presta assessoria jurídica à CUT, “é importante para a vítima de qualquer violência, assédio ou discriminação, ter ferramentas para identificar a conduta abusiva que lhe é dirigida, para que possa buscar amparo para agir dali por diante. Se essa situação ocorre no ambiente de trabalho, é importante que a trabalhadora e o trabalhador busquem o sindicato como aliado para acolher, por meio da escuta atenta e sigilosa, apurar os fatos junto aos responsáveis, inclusive com orientação da assessoria jurídica”, afirma.
Em uma eventual ação judicial de reparação de danos morais, é preciso reunir provas de que houve a situação de assédio. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), recomenda anotar, com detalhes, todas as situações de assédio sofridas com data, hora e local, e listar os nomes dos que testemunharam os fatos. É importante buscar ajuda de colegas, principalmente e quem testemunhou o fato ou que já passou pela mesma situação. Paralelamente, é recomendado buscar orientação psicológica sobre como se comportar para enfrentar tais situações, além de comunicar a situação ao setor responsável, ao superior hierárquico do assediador ou à Ouvidoria, caso a empresa tenha esse tipo de atendimento.
Além de denunciar nas instâncias internas, ou seja, aos setores responsáveis na empresa, a denúncia pode ser feita, mesmo que de forma anônima, no Ministério Público do Trabalho.
Todos perdem
A prática do assédio moral traz prejuízos para o trabalhador, ponta mais fraca desse tipo de situação, mas também tem outras consequências. Para a empresa, diminui a produtividade, aumenta a rotatividade de funcionários, aumentam os índices de acidentes, faltas, licenças médicas, indenizações trabalhistas, multas administrativas. Para o Estado, os custos com tratamentos médicos, despesas com benefícios sociais e custos com processos administrativos e judiciais.
A face do destruidor e suas vítimas
Ter conhecimento sobre a face desse tipo de violência e quem são os principais alvos é importante para que estratégias de combate sejam adotadas. Em geral, essas ações partem dos Sindicatos que reivindicam das empresas uma conduta adequada em relação aos seus trabalhadores. Elas podem se apresentar por meio de campanhas específicas dentro dos locais de trabalho, canais de denúncia, entre outras ações. Ou seja, é importante saber quem são as vítimas mais frequentes, onde o assédio acontece e por quê acontece.
Gestores, chefes, encarregados, supervisores, administradores, gerentes, ou seja, em qualquer cargo superior de hierarquia, há a incidência do assédio moral, mas não é somente nesses casos. Muitas vezes o assédio moral ocorre até mesmo dentro de uma mesma função, entre colegas de trabalho. Apesar de englobar todos os segmentos, há, conforme dizem pesquisas, uma incidência maior quando a vítima é do gênero feminino. Isso quer dizer que até mesmo dentro das mesmas funções, a mulher é maior vítima de assédio moral por seus colegas homens dentro do ambiente de trabalho.
Em geral, trabalhadores de todos os segmentos sofrem assédio. Sejam pessoas negras, LBGTQIA+, jovens, mas os estudos sobre o rema revelam, de fato, quem mais é suscetível. Um dos levantamentos, feito pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, mostra que 72% das mulheres já sofreram assédio e violência no trabalho. Outra pesquisa, feita pelo site de empregos Catho, mostra que 38,7% de 2.300 mulheres entrevistadas revelaram já ter sofrido assédio moral dentro das empresas.
Mais: estudo chamado “Assédio moral no trabalho, gênero, raça e poder”, publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional em 2018, mostrou que 65% das entrevistadas relataram atos repetidos de violência psicológica, contra 35% dos homens. Uma outra pesquisa, realizada pela OIT e apresentada durante audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados, em junho de 2023, revelou que 1 a cada 5 pessoas empregadas já sofreu algum tipo de violência ou assédio sexual no ambiente de trabalho, seja homem ou mulher. Negros, mulheres, homossexuais e trabalhadores que retornam ao trabalho com algum tipo de sequela, de acordo com essa pesquisa, são as principais vítimas.
Levantamento da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj) mostra, com base no que dizem psicólogos e psiquiatras, o assediador, em geral, tem personalidade narcisista e apresenta outras características. São elas:
- fantasias de sucesso ilimitado e de poder;
- acredita ser especial e singular;
- tem excessiva necessidade de ser admirado;
- pensa que tudo lhe é devido;
- explora o outro nas relações interpessoais;
- inveja muitas vezes os outros e tem atitudes e comportamentos arrogantes.
Tipos de assédio
Há vários tipos de assédio moral e podem ser caracterizados por sua abrangência. O mais comum é o ‘interpessoal’, praticado de um colega a outro, de forma direta e pessoal, para prejudicar, desclassificar, tirar a credibilidade, desestabilizar emocionalmente ou eliminar o profissional da relação com a equipe. São exemplos dessa forma de assédio um homem ter conduta machista com mulheres, reproduzindo discursos preconceituosos sobre capacidades, exposição de erros de trabalhadores em ambientes coletivos, com uso de linguagem agressiva e depreciativa e até mesmo o que se conhece como ‘perseguição’, quando um colega simplesmente passa a atacar outro, também com conduta depreciativa, com ou sem motivo.
O assédio ‘institucional’ é quando a própria organização incentiva ou tolera esses atos. Ou seja, quando a empresa adota métodos de gestão baseados na exploração com esgotamento emocional para aumento da produtividade. São casos por exemplo desse tipo de assédio a cobrança de metas abusivas, a concorrência e competitividade desleal entre trabalhadores, entre outros casos. O assédio pode ser vertical, entre pessoas de nível hierárquico diferentes. Neste caso, é descendente quando vem dos superiores usando de seu poder para assediar subordinados; ascendente quando um trabalhador usa de conduta abusiva para constranger seu superior; e horizontal quando ocorre entre pessoas do mesmo nível hierárquico.
Discriminação por gênero
Esse tipo de assédio se caracteriza por:
- Falar a todo momento sobre as características físicas, tais como cabelo, peso, cor da pele etc.;
- Pedir para vestir a “blusinha ou a calça de bater metas”;
- Inferiorizar a todo momento as ideias e questionamentos feitos no contexto de trabalho pelas mulheres;
- Criticar ou expor a vida particular da mulher;
- Atribuir apelidos relacionados à condição de mulher;
- Deixar de atribuir tarefas ou promover em razão da maternidade;
Discriminação pela cor
Esse tipo de assédio se caracteriza por:
- Uso de termos pejorativos e racistas no ambiente de trabalho como “tuas nega”, “mulata”, “serviço de preto”, “denegrir” e “amanhã é dia de branco”;
- Atribuir apelidos com conotação pejorativa relacionadas à cor da pele, como “macaco”, “criolo”, “tição”;
- Promover qualquer espécie de distinção e/ou exclusão motivada pela cor;
- Colocar pessoas negras em empregos de níveis inferiores, promover diferenciação salarial e negativa de oportunidades de avanço na carreira;
- Promover qualquer prática de racismo, injúria racial ou intolerância religiosa.
Discriminação pela orientação sexual ou identidade de gênero
Esse tipo de assédio se caracteriza por:
- Atribuir apelidos pejorativos às pessoas LGBTQIA+, como “viadinho”, “sapatão”, “traveco”, “bicha”, “mulher macho”, entre outras.
- Colocar essas pessoas em empregos de níveis inferiores, promover diferenciação salarial e negativa de oportunidades de avanço na carreira;
- Promover qualquer prática de conversão;
- Fazer piadas jocosas sobre a expressão de gênero de pessoas LGBTI+;
- Procurar adequar a expressão ou comportamento de pessoas LGBTI+ à heteronormatividade, como exigir que mulheres lésbicas que não performam feminilidade utilizem salto alto, maquiagem etc.
Discriminação das pessoas com deficiência: capacitismo
Esse tipo de assédio se caracteriza por:
- Uso da deficiência de forma pejorativa com termos como “você deu mancada”, “parece que é cego/surdo”, “dar um de João sem braço”, “está mal das pernas”, “parece retardado”;
- Duvidar da deficiência ou tentar usar a dúvida de forma elogiosa, partindo do princípio que a deficiência é algo ruim. É comum uso de termos como “nem parece que você é PCD” e “seu problema não tem cura?”
- Atitudes que tratem a deficiência como condição que limita o sujeito em sua totalidade e diante de qualquer conquista exalte como ato de superação;
- Atitude de infantilização das pessoas com deficiência ao utilizar expressões no diminutivo;
- Limitar a interlocução apenas aos acompanhantes de pessoa com deficiência, presumindo a incapacidade de expressão
Discriminação por idade: etarismo
Esse tipo de assédio se caracteriza por:
- Políticas de recrutamento que colocam limites de idade na elegibilidade de trabalho de uma pessoa;
- Ser rejeitado em uma promoção e a posição ser dada a alguém mais jovem fora da empresa, porque seu empregador deseja que a empresa de tenha uma imagem mais jovem;
- Demissão principalmente de trabalhadores mais velhos durante as dispensas da empresa;
- Assédio, como ser xingado ou outras formas de hostilidade, como colegas e superiores fazerem piadas com base na idade.
Discriminação por ideologia política
Esse tipo de assédio não é novo, mas ganhou destaque na disputa eleitoral de 2022. Patrões que ameaçam demitir quem não votar no candidato que eles determinam está cometendo crime eleitoral, previsto na Constituição Federal de 1988. O artigo 5°, parágrafo VIII diz “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Já o Artigo 14° reforça que a “soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e polo voto direto e secreto, com valor igual a todos”.
Significa que ninguém deve se submeter à ordem ou coação na hora do voto. o assédio eleitoral ou a compra de votos também está descrita como crime em lei pelo artigo 301 do Código Eleitoral. Recentemente, o controlador da cadeia de lojas Havan, Luciano Hang, um dos apoiadores mais famosos do então candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), foi condenado a pagar R$ 85 milhões pela prática desse crime
Atuação sindical
A convenção 190 da OIT é considerada o primeiro tratado mundial que reconhece o direito de as pessoas serem livres da violência e assédio no ambiente laboral, independentemente de categoria e status contratuais, cobrindo tanto setor público quanto privado, aprendizes e estagiários, nos locais físico ou virtual, rural ou urbano. A ratificação da convenção é luta permanente da CUT e seus Sindicatos.
Atualmente 30 dos 187 estados-membros da entidade ratificaram o documento, e o Brasil não está entre eles. Em 8 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), encaminhou ao Congresso o pedido para que o país ratifique a convenção, onde passou a tramitar como Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Uma vez ratificada o governo deverá adotar leis e regulamentos contra a violência e o assédio. Mas, para além disso, em consulta com os sindicatos, os empregadores deverão também tomar medidas adequadas para prevenir e combater a violência e o assédio no trabalho, a fim de proporcionar um ambiente seguro.
Fontes
📌 Cartilha Enfrentamento ao Assédio e Discriminação/LBS Advogadas e Advogados
📌 Cartilha Violência e Assédio no Ambiente de Trabalho/Fetec-CUT Centro Norte
📌 Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral Pare e Repare/Tribunal Superior de Justiça
Fonte: CUT Brasil