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I Confecom: relato de uma Conferência que entrou para a história da Comunicação no Brasil

Dezembro de 2009 é um mês que vai entrar para história da Comunicação no Brasil. Com a participação de mais de 1.500 delegados eleitos pelo país a fora e de diversos observadores nacionais e internacionais, além de uma grande cobertura da mídia nacional e internacional, aconteceu a I Conferência Nacional de Comunicação, carinhosamente chamada de Confecom. 

Porém, essa foi apenas uma das etapas de um longo processo de discussão e insistência, por parte da sociedade civil organizada, para que fosse realizada tal conferência (e para que houvesse discussão e uma proposta clara para regrar a Comunicação no Brasil). Infelizmente, por décadas, foi o setor privado que deteve as outorgas de transmissão e as principais concessões de veículos de comunicação nacionais (rádios, jornais, revistas, demais publicações e televisão). Em tese, estão por trás de tudo que se lê, se vê, se ouve e se escreve no país!

No início de 2009, o Governo Lula tomou a decisão de chamar a Confecom. Decisão histórica, pois foi a primeira vez, em 60 anos de conferências de diversas as áreas no Brasil, que se realizaria uma especifica de Comunicação – pois, mesmo depois de todo esse tempo e de diversas conferências que foram organizadas, não havia no cenário a perspectiva de realização da Conferência de Comunicação, nem por parte das elites, nem dos próprios meios de comunicação. Apenas a sociedade tinha como reivindicação história a necessidade de tal realização.

E por que não aconteceu antes? Muito simples: porque as elites que controlam o latifúndio da Comunicação no país não queriam que mudassem as regras estabelecidas para o setor.

Mas existe um fato novo nessa história (e que em tese causou uma fissura na coesão de classe que existia): o advento da internet, o avanço das telecomunicações na área móvel e a televisão digital. Principalmente porque existe uma disputa clara por quem irá produzir conteúdo para a banda larga e para a Geração 3 dos celulares, que permitem a navegação e a transmissão de imagens e dados via web.

Essa divisão do empresariado possibilitou ao governo Lula à oportunidade de chamar a I Confecom. Vale ressaltar que essa foi uma decisão política de envergadura, pois existia muita resistência à chamada da Conferência.

O processo começou a se desenrolar a partir da convocação feita pelo presidente Lula e, como é de praxe, envolveu a sociedade como um todo, o setor civil, o empresarial e o governo em todas as suas esferas. No campo do governo, as esferas municipais, estaduais e nacionais dos governos se mobilizaram. No campo do empresariado, as diversas empresas de comunicação (pequenas, médias ou grandes). E no campo da sociedade civil, uma gama muito grande de entidades – com destaque para o Coletivo Intervozes, o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), a Associação Brasileira de Radiodifusão, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (FITERT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Além desses, centenas de entidades que trabalham com comunicação e mídia e empresários de pequeno porte estavam também representados na sociedade civil.

Após a formação da comissão organizadora nacional, foram tiradas as primeiras resoluções. Dentre elas, a mais polêmica era de como se daria a composição da Conferência, que ficou assim sendo assim: 20% do governo, 40% da sociedade civil e 40% da sociedade empresarial. A sociedade civil, com toda a razão, reclamou da composição pelo motivo óbvio de que ela teria que ser maioria no processo e não poderia entrar em desvantagem. Já os empresários queriam que a participação fosse ainda mais desigual.

Apesar de todas as divergências que afloraram dentro da comissão organizadora (pelo simples fato de ser composta pelos três setores da sociedade, com o governo atuando como mediador), foi iniciado o processo de Conferência no Brasil inteiro (municípios, estados, por região, seminários, simpósios, discussões). Foram muitas etapas preparatórias e o tema ganhou a agenda política. Porém, por diversos motivos, inclusive o medo das alterações que a Conferência poderia trazer para as novas regras do processo, os maiores veículos de comunicação (STB, Record e a ‘toda-poderosa’ Globo) se retiraram do processo, alegando divergências com a comissão e com os critérios estabelecidos.

Na verdade, foi o receio de estarem legitimando as mudanças que os tirou do processo organizativo, pois sabiam que I Confecom teria em sua pauta os principais temas relacionados à democratização dos meios, tais como discutir concessões, radiodifusão, Internet banda larga para todos, televisão digital, convergência, telefonia móvel e novas mídias (em que a sociedade civil e o poder de elites estariam disputando todos os espaços que ainda não foram regulamentados). Sabemos que existem algumas disputas e uma atuação do nosso campo social, bem organizada, poderia ser de extrema importância para garantir alguns avanços, que essas elites não querem nem a força.

Mas, independente das baixas das grandes empresas de comunicação, as etapas preparatórias começaram acontecer no Brasil inteiro, elegendo delegados. E muita política teve que ser feita para que o coroamento do processo se desse. O empresariado, representado na comissão de organização, editou a Resolução 10 que determinou que todas as propostas que aparecessem em outras etapas da Conferência iriam para a etapa final, mesmo que não houvessem delegados para sustentá-las. Os delegados eleitos respeitaram a proporcionalidade estabelecida pela comissão eleitoral. De todas as Conferências prévias que aconteceram, surgiram 6.100 propostas nas mais diversas áreas, que chegaram para a serem apreciadas nos grupos de discussão e na plenária final da Confecom. Todas as propostas foram divididas em 3 eixos com 15 grupos de discussão.

A Conferência começou com a presença do presidente Lula destacando a importância da sua realização e a coragem do governo federal em realizá-la. E também com uma grande polêmica: a tentativa do setor empresarial levar para os grupos de discussão um instrumento que poderia inviabilizar todo o processo, a aplicação das questões sensíveis também nos grupos. O que isso significava? A questão sensível foi um instrumento criado para ser utilizado somente na plenária final (e consistia no seguinte procedimento: teria que ter quorum de 60% dos votos e pelo menos um voto em cada setor participante; ou seja, tinha sua aprovação ou reprovação dificultada, pois precisava de uma maioria difícil de se construir, levando em conta a composição dos setores da Conferência).

Alguns setores da sociedade civil não aceitaram essa exigência dos empresários e ameaçaram se retirar da Conferência. Por outro lado, os empresários também batiam o pé e ameaçavam se retirar se não fosse aprovada. Depois de uma discussão acalorada durante a aprovação do regimento interno, surgiu uma proposta alternativa, que conseguiu mediar o debate entre os setores: a aprovação de 10 propostas para a plenária final de cada grupo, ao invés das 6 propostas iniciais. Assim, ficou combinado que, com o aumento das propostas nos grupos, a questão sensível somente seria utilizada se necessário na plenária final. Isso permitiu um bom andamento das discussões nos grupos (em que cada setor ficou com 4 propostas e 2 duas para o poder público). Por fim, tiveram grupos em que nem saíram as 10 propostas.

Das 6.100 propostas que vieram das etapas livres, municipais, estaduais e regionais, mais de 600 foram aprovadas na plenária final da Conferência. Diversas propostas tiveram a requisição de votação sensível, dentre elas: o fortalecimento da Telebrás com verbas do Fust; a distribuição do espectro da multi-programação na tevê digital; a distribuição equinânime dos canais para a sociedade civil, empresarial e governo; os modelos de tributação; o horário da sociedade civil, conforme existe para partidos políticos.

Também houve muitos avanços dentre as diversas propostas encaminhadas a plenária final, por exemplo: a criação do Conselho Nacional de Comunicação; a criação de mecanismos estaduais de controle social, com a participação popular; as propostas de regulamentação de alguns artigos da Constituição Federal como o art. 220 e o art. 222; o impedimento da propriedade cruzada; a garantia da inclusão digital com a aplicação dos recursos do Fust; a popularização da banda larga para todo o Brasil, preferencialmente para as regiões mais afastadas; a criação de programação regional; apoio e incentivo a produções independentes; a criação de um sistema público de distribuição de conteúdo; a criação de núcleos comunitários de comunicação; auditoria do poder público no sistema privado de comunicação; não criminalização das rádios comunitárias; criação do marco regulatório nas relações trabalhistas na área de comunicação; criação de um código de ética dos jornalistas que garanta independência. Enfim… muitas propostas foram aprovadas na Conferência e precisaríamos de um espaço muito grande aqui para descrevê-las (podem ser acessadas na integra no site oficial da Confecom, www.confecom.com.br).

Em resumo, o resultado da I Conferência Nacional de Comunicação foi de grande valia para a toda a sociedade, pois, em tese, ficou de bom tamanho para todos os setores representados. E considerando-a como um processo inicial, temos muito a comemorar, pois esta foi somente a primeira (e na plenária final apontou-se para a realização Conferências de 3 em 3 anos). Assim, se do ponto de vista das propostas, muitas foram barradas, temos a perspectiva de que nas próximas edições avançaremos bem mais.

Acredito que, por último, temos que fazer reverência ao papel desempenhado por algumas entidades nesse processo de origem, desenvolvimento e conclusão da Confecom, principalmente o papel desenvolvido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Primeiro, por ter uma visão coerente do processo, dando prioridade para composições políticas nas etapas intermediárias, mesmo sem ter essa necessidade de negociação pelo seu potencial de organização vertical. Ou seja, com muita parcimônia, a Central cedeu espaço para que entidades de diversas áreas da comunicação ligadas a sociedade civil indicassem delegados, o que garantiu um debate com qualidade técnica e política; pois os delegados tinham propriedade de discussão em diversas áreas. A entidade soube também exercer um papel de liderança dentro do processo, pois foi devido à postura centrada e muitas vezes conciliadora encabeçada pela Central e por outras entidades que se conseguiu levar a cabo a Conferência (se tivéssemos uma postura de enfrentamento de posições políticas no processo, apenas para medirmos forças e contar garrafinhas, poderíamos ter inviabilizado a Confecom). Mas a postura da Central foi decisiva para que isso não acontecesse. Por tudo isso, não podemos deixar de reconhecer a importância da CUT e das demais entidades que tiveram a mesma compreensão do processo.

Temos muito trabalho pela frente, pois daqui a 3 anos teremos a II Conferência Nacional de Comunicação, quando buscaremos avançar nas posições políticas e nas propostas da sociedade civil organizada. E, com certeza, a Central Única dos Trabalhadores continuará tendo um papel de destaque.

Nós, do Sindicato dos Bancários de Curitiba e região, membros da Central Única dos Trabalhadores, também fizemos parte desse grande momento histórico de uma Conferência que entrou para a história da Comunicação no Brasil, pois tivemos eleitos nas etapas intermediárias dois delegados para a Confecom.

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